Promessa para a Humanidade desfigurada
Contudo, desde que começou a ser festejada por parte dos monges da Palestina, a escolha do início de Agosto para esta comemoração coincidiu com outra data de importante evocação: naqueles mesmos dias, por volta de 9 do mês de Av segundo o calendário hebraico, dia de jejum e de luto, o povo de Israel recorda a destruição do primeiro e do segundo templo de Jerusalém (586 aC e 70dC, respectivamente) e, consequentemente, todas as outras tragédias da sua História como a expulsão de Espanha, em 1492 até à tragédia maior, a shoah do extermínio nazi, no século XX.
Nascida para contemplar Cristo - o novo Templo -, não criada pelas mãos do homem, coincidindo com a memória da destruição do Templo construído pelo homem, nascida para celebrar a luz que espera cada ser humano, a Transfiguração acabou por ver o seu significado ser tragicamente enriquecido pela recordação de uma luz - que cega a humanidade que é atingida e embrutece a humanidade que a despoleta - e pela comemoração do aniquilamento do lugar e do povo por Deus escolhido, para se manifestar. Enquanto os cristãos nas suas igrejas inundadas de luz, celebram a glória de Deus que brilha no rosto de Cristo, os Hebreus, na penumbra das Sinagogas ilumindas apenas por uma chama, lêm o livro das Lamentações. E, sobre todos, lúgubre e inquietante, a sombra de um flash de morte, uma nuvem luminosa de uma luz exterminadora.
Paradoxo perturbador: a luz de vida da Transfiguração, que povém de Deus e anuncia o futuro do mundo em Cristo, contrasta com a luz de morte produzida pelo homem e que ameaça o presente e compromete o futuro do mundo. A Transfiguração recorda a beleza a que a humanidade e o Universo inteiro estão destinados, Hiroshima e a Shoah testemunham a brutalidade de que o homem é capaz; a Transfiguração evoca, em Cristo, a glória a que é destinado o corpo humano, o próprio cosmo, Hiroshima e a Shoah revelam a capacidade do homem de desfigurar a carne humana, de deturpar o corpo e o espírito, de devastar o cosmo.