II Domingo da Quaresma
A experiência da Transfiguração de Jesús envolve também os sentidos dos discípulos: eles ouvem, vêem, são tocados por Jesús (Mt 17,7: “...Jesús tocou-lhes, dizendo:...”, registo apenas feito por Mateus). O corpo é o sujeito da experiência espiritual e os sentidos intervêm nessa experiência. Abrem-se à alteridade, ao outro, ao contacto com o mundo; os sentidos desenvolvem uma função incoativamente espiritual.
A transfiguração sugere-nos reencontrar a unidade da espiritualidade cristã saíndo dos dualismos com que tantas vezes foi conotada: interior-exterior, sentidos-espírito, corpo-alma, sensibilidade-interioridade...a separação entre corpo e espírito ou a sua confusão conduzem à morte de um ou de outro e sobretudo fazem desaparecer a autêntica experiência espiritual, que é experiência de todo o Homem. O crente ordena os seus sentidos com fé, "enxerta-os" em Cristo, treina-os na oração, deixa que sejam guiados pelo Espírito Santo e assim a sua experiência de Deus será integral. Assim foi para S. Agostinho no encontro que mudou a sua existência: "Chamaste-me e o teu grito rasgou a minha surdez; fizeste luz e o teu esplendor dissipou a minha cegueira; difundiste a tua fragrância e eu respiro e anseio por ti; provei e tenho fome e sede; tocaste-me e desejo ardentemente a tua paz." (Confissões X, 27-38)
Não estamos diante de experiências místicas reservadas a eleitos, mas de experiências comuns de fé, do crente que, escutando a Palavra de Deus através das Escrituras, vê o rosto de Cristo, toca a Sua presença que lhe é oferecida, prova a consolação do Espírito, chora de compunção, respira o Seu respirar; do crente que vive, enfim, a Sua existência quotidiana, que é existência no corpo, sobre a luz transfigurante da graça.
LUCIANO MANICARDI
Comunidade de Bose
Eucarístia e Palavra
Textos para as celebrações eucarísticas - Ano A
© 2010 Vita e Pensiero
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