IV Domingo da Quaresma
No evangelho Jesús e os discípulos encontram um homem cego, mas olham-no diversamente. Cegos por um axioma teológico que liga de forma automática a doença ao pecado, os discípulos vêm nele um pecador enquanto Jesús vê na doença daquele homem ocasião para se menifestar a acção de Deus. A mesma pessoa e um olhar diametralmente oposto. Quem vemos quando nos deparamos com um doente? O que vemos no sofrimento do outro? O olhar culpabilizante dos discípulos opõe-se ao olhar solidário de Jesús. O texto apresenta-se como uma iniciação em que o homem que era cego recupera a vista e alcança a identidade de Jesús - um reconhecimento que é também um co-nascimento, um renascimento, o nascimento de uma vida completamente renovada pelo encontro com Jesús e expresssa de forma lapidária na confissão "Eu creio Senhor" (Jo 9,38).
O gesto terapêutico de Jesús sobre o cego, quando "...fez lama com a saliva..." (cf. Jo 9,7), recorda o gesto com que Deus criou Adão (cf. Gen 2,7). A re-criação não tem nada de mágico ou espiritualístico, mas tem uma valência humana e conduz aquele que era apenas objecto de palavras e de juízos dos outros a ser sujeito, a assumir a vida, a tomar a palavra e a reivindicar uma identidade: "Sou eu" (Jo 9,9). aquele "Sou eu" é essencial para poder dizer e proclamar com liberdade e convicção "Eu creio!". Tornar-se crente não exime de tornar-se homem. Antes, exige-o.
Diante do cego curado a primeira reacção é a dos conhecidos que fazem perguntas, interrogam mas não se interrogam, não se pôem a si próprios em questão e assim permanecem à superfície (vv. 8-12). O comportamento dos pais que, por medo, não vão além de uma banal constatação do facto (vv. 18-23). O saber teológico dos fariseus, um saber autosuficiente e impermeável, obtuso, que os leva a acusar Jesús (vv. 13-17) e o cego de serem pecadores (vv. 24-34) não se deixando interpelar pelo extraordinário evento. Quem é o cego e quem vê? Esta é a pergunta que o texto suscita. E esta a resposta: vê quem sabe ver a cegueira e abrir-se a acção de cura e de luz que Cristo oferece. “se fôsseis cegos, não estaríeis em pecado; mas, como dizeis que vedes, o vosso pecado permanece." (v. 41).
LUCIANO MANICARDI
Eucaristia e Palavra
Textos para as celebrações eucarísticas - Ano A
© 2010 Vita e Pensiero
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